terça-feira, 28 de junho de 2016

Dilma: 'Eles não me tiraram, não. Eu continuo sendo presidenta'


Dilma Rousseff falou à Pública sobre machismo, impeachment, América Latina, PSDB, governo Temer e polêmicas - de aborto a Lava Jato.

Andrea Dip, Marina Amaral, Natalia Viana, Vera Durão, da Agência Pública

Uma van nos conduz do portão ao imponente Palácio da Alvorada, fincado no cerrado de Brasília. Subimos alguns lances de escada, entramos em uma sala de enorme pé-direito, colorida por uma tapeçaria do chileno Kennedy Bahia, ao lado do quadro “Colhendo Café”, de Djanira, sobre a parede de madeira. É ali, no ambiente mais acolhedor da sala, em um sofá branco ladeado de poltronas, que a presidente, afastada do cargo em 12 de maio passado até que o processo de impeachment seja julgado pelo Senado, tem dado entrevistas, a maioria delas para a imprensa internacional. A entrevista para a Agência Pública é a primeira concedida a um grupo de jornalistas mulheres.
Ela chega com meia hora de atraso, sorridente para além do protocolo. Dilma Rousseff e Vera Saavedra Durão – jornalista econômica tarimbada que compõe a equipe de entrevistadoras da Pública – se conhecem há exatos 50 anos, como constata a presidente, depois de checar com a amiga a data em que se conheceram: 1966. As duas mineiras já eram militantes de esquerda antes mesmo de se unirem à VAR-Palmares, a organização fundada em 1969 para travar a luta armada contra a ditadura militar (1964-1985).
Mas a conversa agora é sobre os netos da presidente, Gabriel e Guilherme. “Neto ainda é melhor, tem mais calma pra olhar que filho. E nunca falaram pra gente que era importante ter filho, né, Vera?” Ambas riem, lembrando-se do tempo em que a revolução vinha em primeiro lugar. “Eu lembro você de vestidinho rosa esperando a Paula”, diz Vera, referindo-se ao primeiro encontro das duas mulheres depois da prisão.

Uma van nos conduz do portão ao imponente Palácio da Alvorada, fincado no cerrado de Brasília. Subimos alguns lances de escada, entramos em uma sala de enorme pé-direito, colorida por uma tapeçaria do chileno Kennedy Bahia, ao lado do quadro “Colhendo Café”, de Djanira, sobre a parede de madeira. É ali, no ambiente mais acolhedor da sala, em um sofá branco ladeado de poltronas, que a presidente, afastada do cargo em 12 de maio passado até que o processo de impeachment seja julgado pelo Senado, tem dado entrevistas, a maioria delas para a imprensa internacional. A entrevista para a Agência Pública é a primeira concedida a um grupo de jornalistas mulheres.
Ela chega com meia hora de atraso, sorridente para além do protocolo. Dilma Rousseff e Vera Saavedra Durão – jornalista econômica tarimbada que compõe a equipe de entrevistadoras da Pública – se conhecem há exatos 50 anos, como constata a presidente, depois de checar com a amiga a data em que se conheceram: 1966. As duas mineiras já eram militantes de esquerda antes mesmo de se unirem à VAR-Palmares, a organização fundada em 1969 para travar a luta armada contra a ditadura militar (1964-1985).
Mas a conversa agora é sobre os netos da presidente, Gabriel e Guilherme. “Neto ainda é melhor, tem mais calma pra olhar que filho. E nunca falaram pra gente que era importante ter filho, né, Vera?” Ambas riem, lembrando-se do tempo em que a revolução vinha em primeiro lugar. “Eu lembro você de vestidinho rosa esperando a Paula”, diz Vera, referindo-se ao primeiro encontro das duas mulheres depois da prisão.


(Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

Elas foram companheiras de cela no final dos quase três anos que a presidente passou na cadeia, depois de apanhada pela Oban – Operação Bandeirante –, a unidade de tortura e aniquilação de presos políticos do II Exército, em São Paulo. Nenhuma das duas jamais imaginou naquele tempo que uma delas seria presidente nem que se veriam mais uma vez em um momento dramático para o país, com Dilma no centro da crise.

A votação do impeachment pelo Senado, com tendência desfavorável à presidente, deve ocorrer em agosto próximo.
Dilma ainda não decidiu se vai se defender pessoalmente diante dos senadores. “Sou do tipo de gente que avalia”, disse no final de uma entrevista franca e explosiva, com 1 hora e 52 minutos de duração. Ela garante que vai continuar lutando pela Presidência do Brasil, conquistada pela primeira vez por uma mulher: “Eles ainda não me tiraram não, eu continuo sendo presidenta”, avisa.
O que significa sair do isolamento imposto pela equipe do atual presidente interino e seu vice, Michel Temer, que chegou a cortar o “cartão-alimentação” usado para suprir o Palácio da Alvorada e negou o custeio de viagens para outros destinos além de Porto Alegre, onde mora sua filha, e Belo Horizonte, sua terra natal.
Nos próximos dias, Dilma lança um crowdfunding – a vaquinha virtual – pelo site Catarse, popular entre músicos, cineastas, jornalistas e ONGs que buscam arrecadar dinheiro para seus projetos. Dessa maneira a presidente e sua equipe pretendem mobilizar seus apoiadores e pagar os custos das viagens para cruzar o país em defesa de sua permanência no governo.
Nesta entrevista exclusiva para a Pública, ela refaz sua trajetória, explica por que se considera vítima de um golpe, fala o que pensa das forças políticas do país e do que esse “golpe parlamentar”, nas palavras dela, representa para a democracia da América Latina. Responde também a perguntas sobre questões polêmicas como aborto, hidrelétrica de Belo Monte e recentes acontecimentos da Lava Jato.

Vera Durão: Queria saber de você como a ideia de se tornar presidente da República tomou corpo na sua cabeça. Foi uma sugestão do Lula ou você também tinha essa pretensão?
Dilma Rousseff: Ô Vera, é assim quase público e notório que eu não tinha a menor pretensão de ser presidenta, tampouco de concorrer a nenhum cargo eletivo naquele então. Foi assim uma coisa “espontânea muito pressionada” – conhece “espontânea muito pressionada”? [risos] Foi isso o que aconteceu.

Vera Durão: Você se sentiu na obrigação de aceitar?
Dilma: Acho que não aceitar é correr da raia, é coisa muito importante para se recusar. E, tendo feito tudo o que fiz no governo dele, era não dar sequência ao que a gente vinha fazendo. Porque, na prática, quando assumi a chefia da Casa Civil, em 2005, eu coordenei o governo. De junho de 2005 em diante. Então, todos esses programas eu vi nascer, participei da formatação, tanto os que ocorreram no governo dele como as decorrências de todo esse processo no meu governo. É uma continuidade.

Vera Durão: Esse argumento foi usado pelo Lula para te convencer?
Dilma: Não. Ele tinha isso muito forte, ele propunha isso. Mas não se trata de achar que era só uma questão de alguém pegar um bom argumento para me convencer. Não era essa questão. Não pode ser. Se fosse isso, seria algo muito superficial. É ter um conjunto de razões, sendo que essa é uma delas – e essa é importante. Porque ser o primeiro governo de uma mulher no Brasil, um país que diz que não tem nenhum preconceito contra a mulher, mas está eivado de preconceitos, era algo muito importante. Obviamente, guardando as devidas proporções, porque acho que o preconceito contra a mulher é completamente diferente do preconceito contra os trabalhadores, as pessoas de segmentos sociais mais pobres. Contra a mulher é outro preconceito porque passa por uma porção de estereótipos que se tem sobre a mulher. Por exemplo: mulher não pode ser firme, tem que ser dura. Mulher tem que ser ríspida, não pode ser uma pessoa que tem posição. Mulher não é afeita a coisas públicas – e aí aquela frase reiterada sobre mim, da minha “imensa dificuldade de lidar com os políticos”, como se [eles] fossem a coisa pública, ou como se alguma dificuldade de se lidar com os políticos não derive, em alguns momentos, da crise de valores que a política no Brasil atravessa. E outras coisas que tais: mulher tem necessariamente de ser frágil. Se ela não for frágil, ou ela está tendo um ataque de loucura, não está no pleno exercício da sua condição racional, ou você, de uma certa forma, está alienada. Eu cheguei a dizer que eu era uma mulher dura no meio de homens meigos, imensamente meigos, tudo muito meigo, muito doce.

Natalia Viana: Presidente, e em termos dos interesses econômicos? Por exemplo, qual foi o peso do pré-sal na articulação pelo seu impeachment?
Dilma: Olha, eu acho que todas as riquezas do Brasil têm peso. O pré-sal tem um peso muito especial. O que está na questão do pré-sal? Não é a participação do setor privado. Por quê? Porque ele participa do pré-sal. Vamos olhar o leilão de Libra, que é o único campo do pré-sal integral, não tem nenhum outro. Então vamos olhar a prova material. Quem é que participa de Libra? Participam de Libra quatro empresas privadas: Shell, que é uma grande empresa; Total, que é uma empresa francesa grande – não é uma major, mas é uma quase major –; duas chinesas, a CNOOC e a CNPC. É bom lembrar que os maiores compradores de petróleo do mundo são os chineses. O controle da distribuição do petróleo está na mão dos chineses. Daí porque qualquer grande empresa privada internacional gosta da parceria com os chineses. Para a gente não ser otário e ficar achando que a presença de chinês é algo terrível, como diziam umas pessoas do Rio de Janeiro.

Natalia Viana: Presidente, ontem foi preso, em um desdobramento da Lava Jato, o Paulo Bernardo, que foi ministro no seu governo, acusado de um superfaturamento de 100 milhões pela empresa de tecnologia que geria sistema de crédito consignado a funcionários. Diz a PF que o dinheiro seria usado para caixa 2 do PT. Por outro lado, o Marcelo Odebrecht assinalou que…
Dilma: Querida, posso te falar uma coisa? Eu não sei no que vai dar. E nem o que está em processo na prisão do Paulo Bernardo. Então, você vai me desculpar, mas você não vai querer que eu faça uma avaliação sobre coisas que estão sob investigação da Justiça. Agora, acho estarrecedor me perguntar sobre o Marcelo Odebrecht, que nem concluiu a sua delação premiada. Tirante a hipótese de que o seu jornal – e aqui eu vou engrossar – tenha uma escuta dentro da cela, ou do lugar onde ele está fazendo a delação, vocês não têm o direito de me perguntar nada.

Natalia Viana: Na verdade, a pergunta não era em relação a isso.
Dilma: Eu tenho imensa indignação com esse tipo de uso político das investigações da Lava Jato. Uso político.

Natalia Viana: A pergunta era se a senhora acredita que essas revelações afetam suas chances no impeachment.
Dilma: Não, minha querida. Eu acho que eu estou em um nível de vacinação absoluta contra isso. Isso tem sido feito sistematicamente contra mim. Sistematicamente. A última que arquivaram foi aquela em que quase caiu o mundo na minha cabeça porque eu liguei para o Lula e falei: “Vou mandar aí o Bessias”. Agora foi arquivado. Agora, o pato que eu pago enquanto não está arquivado é imenso. E eu me recuso a discutir Marcelo Odebrecht numa delação que nem acabou. Tem vazamento daquilo que não foi feito, tem vazamento… e tudo seletivo. Primeiro vaza eu e fazem um escândalo com isso. E depois aparece o resto. Como que fica? Não sei o que que é o Paulo Bernardo, tem um ano essa investigação, não sei por que prenderam hoje, não tenho a menor ideia… Ele estava fugindo? Preventiva tem de ter motivo. Eu me recuso a dar elementos para um tipo de praxe que a imprensa brasileira está tendo de uso seletivo. Porque a tese era a seguinte: tinha um único partido no Brasil que tinha corrupção. O que se vê é que não é isso que está acontecendo.
Vera Durão: Sérgio Machado disse que é desde 1946.
Dilma: É. O Sérgio Machado deve ser um experiente conhecedor disso. Bom, o que estou dizendo é que não vou compactuar com isso. E comigo é sistemático. Até o ponto do meu cabelo. Eu perdi a paciência no dia do meu cabelo [Merval Pereira, do Jornal O Globo, veiculou em sua coluna que Dilma teria usado dinheiro da refinaria de Pasadena para pagar itens pessoais. Saiba mais].

Vera Durão: Você já tomou as devidas providências?
Dilma: Todas. Eu vou processar criminalmente. O dia em que eu processar vai sair na imprensa. Mas eu vou.
Marina Amaral: Tenho uma pergunta sobre outra polêmica, que é Belo Monte. Eu conheço a defesa que a senhora faz da obra, da necessidade, inclusive, energética do Brasil. Eu queria saber se essa visão de desenvolvimento na Amazônia não foi modificada pelas conferências internacionais, por um mundo em que você tem como maior ameaça futura o aquecimento global. Esse tipo de debate não tornou ultrapassado, olhar pra a Amazônia como uma fronteira de desenvolvimento?
Dilma: Nós não olhamos para a Amazônia como uma fronteira de desenvolvimento. Nós utilizamos os recursos que podem ser utilizados mantendo a preservação do meio ambiente.
Marina Amaral: Mas em Belo Monte…
Dilma: Nós preservamos o meio ambiente. O problema da Amazônia, de Belo Monte, não é esse. O problema de Belo Monte é o seguinte: tem um problema seríssimo no clima. Sabe qual é? O problema no clima será sempre energia. O problema do mundo, em relação ao clima, é energia. No nosso caso, nós temos algumas vantagens. Porque nós ainda temos o problema de acabar com o desmatamento, como replantar, como conter e fazer agricultura de baixo carbono e etc. E [a energia hidrelétrica] dá uma grande margem para o Brasil. Somado ao fato de que nós temos recursos hídricos. O que é que entrava todos os países do mundo? Eles não têm. Ou usa nuclear ou usa térmica. Então acho que há uma visão completamente incorreta sobre as hidrelétricas.
Uma coisa é o fato de que se fazia hidrelétrica e não se olhava as repercussões sobre as populações atingidas. Isso é uma coisa. Não se olhava a melhor forma de se fazer com o mínimo de impacto ambiental. Porque, se você não tiver Belo Monte, tem de ter o equivalente de Belo Monte de alguma coisa. De [energia] solar não é, porque é absurdo o preço. A não ser que descubram alguma tecnologia mais avançada, você não paga. Eólica é inviável, você não segura, não tem como. Ela não é uma energia que eles chamam de firme.
Nós somos respeitados internacionalmente, ao contrário do que dizem. Essa Conferência de Paris [COP-21, realizada em dezembro de 2015] não existiria sem nós. Eles reconhecem. O Obama me liga para agradecer. Não sai no jornal, óbvio, nós sabemos por quê. Mas o Brasil tem respeito porque tem uma política que é consistente. Nós só temos 3% de térmica e nuclear. A alternativa é essa. Parou com hidrelétrica vai fazer nuclear.