sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Pânico geral entre as elites do mundo diante da ascensão de Trump à Casa Branca


por Pierre Lévy - Resistir

Alarmados, angustiados, traumatizados, confusos, petrificados, lívidos… É difícil encontrar um qualificativo que reflita o estado de espírito dos dirigentes euro-atlânticos e da imprensa que lhe é fiel no momento em que Donald Trump acede à Casa Branca .

E que dizer dos punhados de “idiotas úteis” (conforme a fórmula outrora atribuída a Lenine) que, em Berlim, Paris ou Londres, desfilaram com o delicioso slogan: “este não é meu presidente”… O que dizer se isto não é o apontar de uma linha de fratura fundamental que se esboça progressivamente tanto em numerosos países europeus quanto nos Estados Unidos, assim como em outros lados do mundo: entre camadas médias mais abastadas, urbanas, intelectuais e almejando a mundialização, e uma classe operária que sofre desprezo e atomização desde há décadas.

Entre os primeiros que pensam em “valores” e os segundos em “interesses”, mesmo na sobrevivência social pura e simples. Entre de um lado aqueles que se mobilizam “contra o ódio” (!) e do outro aqueles que se mobilizam pelo emprego. Simplificação excessiva? Talvez. Mas esta polarização de classe que emerge não está senão no princípio. E tanto melhor se os segundos recuperam esta dignidade, esta existência e estes papéis coletivos que lhes foram negados pelos cantores da globalização económica e também ideológica.

Ouçamos estes últimos. “É o fim do mundo”, lamentou-se Manuel Valls (BFMTV 16/01/17), que não se referia aos resultados da primária socialista e sim à perspectiva de uma “aliança entre Trump e Putin”. “Donald Trump [está] decidido a destruir o projeto europeu”, espantava-se o editorial de Libération (18/01/17). E Le Monde (19/01/17) tocava o sinal de alarme: “o presidente dos Estados Unidos lançou-se numa operação deliberada de desestabilização da Alemanha (…) é toda a Europa que é atacada”.

A Europa está confrontada com uma dos “maiores desafios destas últimas décadas” alerta por sua vez Angela Merkel. O comissário europeu Pierre Moscou choca-se: “tem-se uma administração americana que deseja o desmantelamento da União Europeia, isto não é possível!”. Quanto ao secretário de Estado americano cessante, ele exortou a nata das elites mundializadas reunida em Davos a “recordar porque fizemos juntos esta viagem de 70 anos”. John Kerry parece assim evocar o eixo euro-atlântico… no passado.

Este pânico geral – que não se pode deixar de saborear – é compreensível. Pois, numa entrevista publicada alguns dias antes da sua posse, Donald Trump confirmou os elementos que já faziam tremer tanto Bruxelas como o establishment de Washington durante a sua campanha eleitoral. Ora, como observou o senhor Valls, decididamente inspirado, “esqueceu-se que um populista pode querer por em acção o seu programa”.

Será este o caso com o novo hóspede da Casa Branca? Por enquanto, deve-se manter a prudência. Mas se o senhor Trump passa, ainda que apenas parcialmente, das palavras aos atos , então sim, isto será mesmo o fim de um mundo, o início de uma mudança de era histórica.

Pois o que disse o miliardário na entrevista publicada pelos diário alemãoBild e pelo inglês TheTimes ? Que o Reino Unido foi “inteligente” ao abandonar a UE; que este não era senão o “veículo da potência alemã”; que esperava que muitos outros Estados imitassem o Brexit; que se rejubilava em preparar um acordo comercial separado com Londres; que o livre comércio mundial (portanto o TTIP, nomeadamente) era doravante caduco; que à indústria automobilística alemão poderia muito bem serem impostos importantes direitos alfandegários se isso encorajasse o emprego nos Estados Unidos; e que a chanceler havia cometido um “erro catastrófico” com a sua política de portas abertas aos refugiados.

Pior – ou melhor: o novo presidente americano confirmou que considerava a OTAN “obsoleta”, que um grande acordo com Moscou tendo em vista o desarmamento nuclear “seria no interesse de muita gente”; e que, consequentemente, as sanções contra a Rússia poderiam ser postas em causa. Mobilizando todo o seu sentido da retórica, o secretário-geral da Aliança Atlântica diz-se “preocupado”. Le Monde enraivecia-se já no fim de Dezembro (22/12/16): o senhor Trump “quer ser o homem da renovação industrial americana, não o xerife de uma ordem democrática ocidental para manter e propagar”. Imperdoável! Em Davos, Joseph Biden, ainda vice-presidente americano durante dois dias, lançou um apelo desesperado para “salvar a ordem liberal internacional”…

Dezasseis antigos chefes de Estado ou de governo e ministros – essencialmente dos países da Europa doNordeste – haviam, pouco antes, alertado contra o perigo maior de um reaquecimento das relações com a Rússia: “a confiança e a amizade seriam um grave erro”, escreviam sem piscar.

Será preciso então estranhar a histeria crescente contra a Rússia? Moscou é confusamente acusada de promover (com êxito crescente) seus media públicos destinados ao ocidente, de invadir as redes sociais com falsas notícias e piratear os computadores das instituições ocidentais. Segundo a CIA, a NSA e o FBI – e Deus sabe que estas nobres chafaricas não podem dizer senão a verdade – Vladimir Putin teria assim influenciado a eleição americana em favor do seu favorito e certamente aberto o champanhe. Retransmitido por Arte (06/01/13), o grande chefe (de partida) da informação, James Clapper, fez uma declaração assim: “os russos têm uma longa experiência de ingerênciaeleitoral, quer se trate dos seus próprios escrutínios ou os dos outros”. Humor involuntário?

E assim, o hóspede do Kremlin preparar-se-ia para levar pela mão os eleitoresholandeses, franceses, depois os alemães, que comparecerão às urnas em 2017 para que tantos uns como outros escolhessem formações anti-UE (ou consideradas como tal).

Pois, evidentemente, sem estas sombrias manobras, os cidadãos estariam entusiastas para plebiscitar uma União Europeia cada vez mais popular e legítima.

Mas um golpe, Vladimir Vladimirovitch?