terça-feira, 28 de março de 2017

Israel precisa reincendiar a Síria


Os ataques aéreos de Israel na 6ª-feira, perto de Palmyra na Síria contra o que, diz Telavive, seria um comboio que transportaria armas para o Hezbollah no Líbano – e que, para Damasco, foi ataque calculado contra posições das forças do governo libanês que combatem contra o Estado Islâmico na região – não podem ser vistos como ‘fato isolado’.

MK Bhadrakumar, Indian Punchline - Traduzido por Vila Vudu

Mas a hipótese na qual os israelenses investem não é crível, porque Palmyra é duas vezes mais distante da fronteira sírio-libanesa, em termos geográficos. É muito provável que o governo sírio acerte mais, e que os israelenses estivessem mesmo atacando deliberadamente forças sírias. Isso explica por que o Ministério das Relações Exteriores da Rússia convocou no mesmo dia o embaixador de Israel em Moscou e exigiu explicações.

Bem evidentemente, foi quebrada alguma ‘regra de campo’ do entendimento não escrito entre russos e israelenses sobre os fronts sírios. Moscou tomou nota. Noutros caos, quando Israel atacou o Hezbollah – a ponto de ter assassinado altos comandantes que lutavam em fronts sírios – Moscou fez que não via. Dessa vez, não. Os russos imediatamente fizeram saber do seu desagrado. Tudo leva a crer que Israel, sim, tenha cruzado alguma ‘linha vermelha’.

De início, Moscou não divulgou o movimento de convocar o embaixador israelense. Mas o ministro da Defesa de Israel Avigdor Liberman destrambelhou já no domingo e saiu-se com frases beligerantes, segundo as quais “Israel não hesitará” em destruir os sistemas de defesa aérea da Síria, se aquele país algum dia voltar a atacar aviões de Israel. Declaração absolutamente sem qualquer lógica, uma vez que Israel insiste na linha de que teria direito de violar espaço aéreo sírio, mas Damasco não teria direito de se defender.

Liberman também deixou no ar outra ameaça um pouco mais velada, ao dizer que “Não queremos colidir com os russos”.

Diante disso tudo, na 2ª-feira Moscou revelou que convocara o embaixador. Curiosamente, o embaixador de Israel havia apresentado credenciais ao Kremlin apenas um dia antes de ser chamado para dar explicações. No que tenha a ver com práticas diplomáticas – e os russos são muitíssimo experientes –Moscou sabia o que estava fazendo e o fez com brilho.

Interessante: o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu esteve recentemente em Moscou com missão pontual de conseguir que a Rússia desertasse da aliança com o Irã na Síria. Segundo os comentários russos, parece que levou uma coça no Kremlin. (Aqui, artigo hilário, de Israel Shamir.) Uma probabilidade é que Netanyahu tenha dado sinais de irritação com a coisa toda. Por falar dele, Liberman é judeu de etnia russa.


Com seu movimento, a Rússia intrometeu-se no que Israel queria fazer crer que fosse um impasse com Damasco, e alertou Israel para que não escale. Problema é precisamente que Israel parece esperar ganhar muito, se escalar. Consideremos o seguinte.

Israel assiste hoje com crescente desespero à evidência de que o Irã emergiu como ‘vitorioso’ no conflito sírio. Os representantes-procuradores de Israel – afiliados da al-Qaeda e outros grupos extremistas – estão em rota sem volta rumo à derrota. Os planos de Israel, de criar uma ‘zona tampão’ [‘buffer zone‘] no território sírio em torno das Colinas do Golan, estão em ruínas. A ocupação israelense ilegal nas Colinas do Golan pode ser desafiada a qualquer momento, se a milícia iraniana/Hezbollah recorrer à política da ‘resistência’.

Israel antecipa que o Irã estabelecerá uma presença permanente na Síria. Há notícias de que o presidente Bashar al-Assad da Síria deu luz verde para a construção de uma base naval iraniana em Latakia, próxima da base aérea russa em Hmeymim. Se acontecer assim, o Irã estará em posição ainda mais forte que antes para investir no crescimento do Hezbollah (e de Síria e Líbano) como pilares da ‘resistência’ contra Israel.

Entrementes, o Hezbollah também está emergindo como força de combate ainda mais capaz, depois do batismo de fogo na Síria. O Hezbollah tem armazenadas dezenas de milhares de foguetes e mísseis – há quem fale de 100 mil – todos mirados contra Israel, os mesmos que têm contido todos os avanços de Israel contra o Líbano nos últimos dez anos. Israel não tem resposta contra a ameaça dos mísseis do Hezbollah. Nas palavras de um comentador israelense,

Enviar unidades de infantaria para localizar em solo pontos de lançamento de foguetes e mísseis é procurar agulha em palheiro. Israel tentou fazer isso na segunda guerra do Líbano (2006), sem qualquer resultado palpável. Significa que a única opção que resta a Israel é ataque imediato, dramático e agressivo contra toda a infraestrutura vital do Líbano, ou, como dizem há uma década funcionários e veteranos oficiais israelenses, “mandar o Líbano de volta à Idade da Pedra”.
Problema aqui é que o Hezbollah não está à procura de briga com Israel, mas revidará se foi atacado. Incontáveis vezes Israel provocou, tentando desestabilizar o Hezbollah, mas sem sucesso; o movimento manteve-se impassível, dadas as prioridades absolutas do conflito sírio, luta na qual desempenha papel protagonista em campo.

Recentemente, o secretário-geral do Hezbollah Hassan Nasrallah disse que entre seus alvos em Israel estão a fábrica de amônia em Haifa, os reatores nucleares em Dimona e Nahal Sorek, os Sistemas Rafael Avançados de Defesa, instalações de desenvolvimento de armas, dentre outros.

A questão crucial é que Israel procura alucinadamente um modo para forçar os EUA a se envolverem diretamente na Síria. Para isso, Israel não hesitará em forçar algum evento de confrontação EUA-Irã. Ainda não se sabe até que ponto o presidente Donald Trump deixará que Netanyahu jogue esse seu jogo. Israel pode, sim, criar um fato novo em campo que torne inevitável a intervenção dos EUA. A Rússia provavelmente está sentindo isso.

[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.