terça-feira, 31 de janeiro de 2017
'Brasil não deveria ter entrado na briga de Trump com o México'
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil emitiu nota oficial sobre a questão surgida entre Estados Unidos e México a propósito da construção do muro entre os dois países. A propriedade da ação brasileira é contestada.
Provocou intensa repercussão internacional o anúncio feito pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, da construção de um muro com mais de 2 mil quilômetros de extensão na fronteira com o México, com os custos da obra atribuídos ao Governo mexicano.
O Presidente Enrique Peña Nieto se nega terminantemente a pagar a conta, enquanto Donald Trump insiste em dizer que, "de alguma forma, os mexicanos arcarão com esses custos". Irritado, Peña Nieto cancelou a viagem que faria aos Estados Unidos na terça-feira, 31, e Trump, por sua vez, respondeu que, se a conversa entre os dois líderes não girar em torno do pagamento do muro pelo Governo mexicano, Nieto pode ficar em seu país.
A propósito deste antagonismo, surgido durante a campanha eleitoral e ratificado por Donald Trump na sua primeira semana como presidente dos Estados Unidos, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil emitiu nota oficial, dizendo esperar por uma solução de diálogo entre Estados Unidos e México.
Diz a nota do Itamaraty, emitida nesta sexta-feira:
"A grande maioria dos países da América Latina mantém estreitos laços de amizade com o povo dos Estados Unidos. Por isso, o Governo brasileiro recebeu com preocupação a ideia da construção de um muro para separar nações irmãs do nosso continente sem que haja consenso entre ambas. O Brasil sempre se conduziu com base na firme crença de que as questões entre povos amigos – como é o caso de Estados Unidos e México – devem ser solucionadas pelo diálogo e pela construção de espaços de entendimento."
José Serra, ministro de Relações Exteriores do Brasil
Sobre a questão surgida entre Estados Unidos e México e o posicionamento do Governo brasileiro a respeito do assunto, Sputnik Brasil ouviu Roberto Abdenur, que foi embaixador brasileiro na Áustria, China, Alemanha, Equador e EUA. O diplomata criticou a nota oficial e disse que o Brasil não precisaria ter se envolvido nessa questão que, a seu ver, é estritamente bilateral:
"Eu acho essa ideia do muro estapafúrdia. É uma ideia que, realmente, não faz sentido para a maior parte dos observadores. Ela não é necessária. Agora, temos de reconhecer que está no direito soberano do Governo americano fazer o muro. Além disso, é estapafúrdia a ideia de que uma medida tão negativa para os interesses do México seja financiada, seja paga, pelo próprio México. Isso é uma coisa que vai longe demais."
O Embaixador Roberto Abdenur acrescenta sobre a nota do Itamaraty:
"Eu diria que não a considero oportuna, porque, com isso, nós entramos numa disputa, num desentendimento estritamente bilateral entre os Estados Unidos e o México. Eu entendo que tenhamos um certo impulso de solidariedade com um outro país latino-americano quando ele se vê humilhado por essas posturas do Governo Trump, mas, ao fazer política externa, nós precisamos ser muito frios, muito cuidadosos, muito comedidos, muito objetivos, e separar a avaliação objetiva dos interesses nacionais de impulsos digamos emocionais, que tendem a nos levar a fazer coisas que, no final das contas, não resultam positivas para o Brasil. Esse é um problema estritamente bilateral entre Estados Unidos e México, e que não nos afeta."
Em relação à possibilidade de Donald Trump tomar medidas de retaliação à posição tomada com a nota do Itamaraty, o Embaixador Abdenur comenta:
"O Brasil não é um país que esteja na mira do Governo Trump. A área comercial, por exemplo, é uma das duas grandes áreas de desentendimento entre Estados Unidos e México. A primeira área é a da imigração ilegal. O Brasil é hoje um dos poucos países com os quais os Estados Unidos têm superávit, pouco menos de 700 milhões de dólares. Portanto, não há razões maiores para que o Governo Trump acesse sua mira contra o Brasil. Ao soltar essa nota oficial, nós corremos o risco, sim, de causar irritação a um governo imprevisível e emocional, e isso pode provocar alguma atitude prejudicial aos nossos interesses com os Estados Unidos."
Já para a professora de Relações Internacionais Denilde Holzhacker, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo, a nota oficial emitida pelo Governo brasileiro tem méritos. Especialista em políticas das 3 Américas, Denilde Holzhacker sustenta que há vários aspectos a considerar, inclusive o temperamento do novo presidente dos Estados Unidos:
"Trump é imprevisível. Nós sabemos que ele tem um grande problema em receber críticas. Então, essa nota oficial do Governo brasileiro, que é bem ponderada, é uma nota que mostra que a preocupação não é só do Brasil mas de todos os países da América Latina pela forma como Trump vem tratando o México. Trump demonstra um alto grau de conflito, que pode afetar todos os demais países. Mas Trump, a cada crítica que recebe, tende a apresentar reações agressivas e defensivas. De modo que é preciso acompanhar [a situação] para saber qual vai ser a reação dele. Por outro lado, acredito que a nota teve um papel importante para o Brasil poder demonstrar não só a importância da América Latina nas suas relações internacionais, na sua política externa, como também é uma [demonstração de] solidariedade com os países latino-americanos, o que é uma tradição da política externa brasileira."
Sputniknews